28 de julho de 2016

Direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, continue exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.

Quando se fala em direito ao esquecimento é importante citar o jurista e filósofo francês François Ost, que escreveu: "Uma vez que, personagem pública ou não, fomos lançados diante da cena e colocados sob os projetores da atualidade - muitas vezes, é preciso dizer, uma atualidade penal - , temos o direito depois de determinado tempo, de sermos deixados em paz e a recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído." (Ost, François. O Tempo do Direito. Trad. Élcio Fernandes, Bauru: Edusc, 2005, p.160).

No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada, intimidade e honra, assegurados pela Constituição Federal (art. 5º, X) e pelo Código Civil (art. 21). Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). No entanto, a discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito com a liberdade de expressão e o direito à informação também protegidos constitucionalmente. 

Como conciliar, então, o direito ao esquecimento com o direito à informação? Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia ou informação. É o caso, por exemplo, de crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável. Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.

Como assevera o Ministro Gilmar Ferreira Mendes: "Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária." (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 1ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 374).

A 4ª Turma do STJ, em dois julgados recentes, afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ). Em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana, nos seguintes termos:

Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Apesar de tais enunciados não terem força cogente, trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais de Direito para a defesa de eventuais interessados no direito ao esquecimento.

15 de julho de 2016

Empresas devem estar atentas ao atraso de salário

Havendo ou não lucro, estando ou não em crise, a empresa é obrigada a arcar com as verbas trabalhistas de seus empregados, pois estas possuem natureza alimentar e devem ser quitadas independentemente da saúde econômico-financeira do empregador.

O artigo 2º da CLT prevê que uma empresa não pode transferir os riscos e dificuldades de sua atividade econômica para os empregados. Isto quer dizer que, não importa qual a situação de dificuldade de uma empresa, não há motivo válido para que o salário atrase. Via de regra, não existe nenhuma situação na qual seja aceitável que a empresa atrase o salário devido ao seu funcionário. Considera-se atraso sempre que a remuneração não tenha sido entregue ao empregado até o quinto dia útil do mês.

A multa padrão estabelecida por lei para casos de salário atrasado é prevista pelo Tribunal Superior do Trabalho. De forma geral, deve estar de acordo com os seguintes termos:

• Atraso de período inferior a 20 dias: correção monetária necessária sobre o período e multa adicional de 10% sobre o saldo devedor;

• Atraso superior a 20 dias: soma-se, à multa anterior, um acréscimo de 5% a cada dia útil de atraso após o vigésimo dia.

Além disso, atrasos recorrentes e atraso de um longo período servem como motivo válido para pedido de rescisão indireta, onde o empregador ainda precisa pagar multa de 40% sobre o valor do FGTS para o empregado. Pode-se somar as multas do atraso previstas pelo TST à justificativa da rescisão indireta do empregado.

Em casos onde haja a comprovação de consequências relevantes do atraso salarial para a vida pessoal do empregado (constrangimento, dívidas ocasionadas pelo atraso, ou a necessidade de vender produtos pessoais para o pagamento de contas básicas, por exemplo), pode-se ainda existir uma disputa judicial de danos materiais e morais, que pode levar a empresa a uma indenização adicional sobre a situação.

25 de janeiro de 2016

Responsabilidade de empresas integrantes de grupo econômico

Os grupos econômicos, ou societários, são uma concentração de empresas sob a forma de integração ou participações societárias, resultando no controle de uma ou umas sobre as outras, obedecendo todas a uma única direção econômica. É um tema árduo no direito empresarial, que enseja muitas discussões atinentes à conceituação, identificação e responsabilização dos componentes do agrupamento.

A legislação nacional possui dispositivos nas áreas trabalhista, consumerista, previdenciária, tributária e concorrencial que tratam da responsabilidade solidária das empresas integrantes de grupos econômicos.

Em geral, para a responsabilidade estar caracterizada, basta que haja uma coordenação entre as diversas empresas, como acontece quando o controle das empresas estiver sob a direção de uma ou mais pessoas físicas, detentora de um número de ações e/ou cotas sociais suficientes para criar um elo de ligação entre as demais empresas, criando-se, assim, o que se costuma chamar de unidade de comando.

Existem algumas estratégias de combate à responsabilização de uma empresa por dívidas ou obrigações contraídas por outra, quando houver reconhecimento do grupo econômico. Uma delas consiste em demonstrar a inexistência de conjugação de esforços comuns entre as empresas para atender as necessidades de desenvolvimento, aumento de lucros e redução de custos. Na área tributária é possível afastar a responsabilidade quando as empresas agrupadas não realizam conjuntamente o fato gerador do tributo.

Embora difícil e complexa, a defesa contra o reconhecimento de grupo econômico e a responsabilização de uma empresa por obrigações de outra deve sempre ser exercida, pois se verificam muitos abusos na aplicação desse instituto.

18 de janeiro de 2016

Teorias para a desconsideração da personalidade jurídica

A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direito e obrigações. Em regra, as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros, mas em determinadas situações essa proteção pode ser afastada para atingir o patrimônio dos sócios em decorrência de obrigações assumidas pela sociedade.

Temos, então, a desconsideração da personalidade jurídica, que é o instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica para responsabilizar seus integrantes pelas consequências de relações jurídicas que as envolvam.

O direito brasileiro acolhe duas teorias para a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade: a teoria maior e a teoria menor.

Para a teoria maior da desconsideração, prevista no artigo 50 do Código Civil, não basta que a pessoa jurídica esteja insolvente e impossibilitada financeiramente de cumprir com suas obrigações perante seus credores. Para que se configure a desconsideração com base nessa teoria, ao lado da demonstração da insolvência da pessoa jurídica, deverá figurar também ou o elemento subjetivo (desvio de finalidade) ou o elemento objetivo (confusão patrimonial).

Já para a teoria menor, aplicada às relações consumeristas (CDC, art. 28, § 5º) e ao direito ambiental, a desconsideração ocorre sempre que a personalidade da pessoa jurídica seja, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores ou ao meio ambiente. Assim, para a aplicação dessa teoria, basta a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. A aplicação dessa teoria no STJ não é unânime, mas tem-se mostrado o entendimento majoritário.

11 de janeiro de 2016

Autorização do cônjuge em contrato de fiança

O artigo 1.647, inciso III, do Código Civil, prescreve que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, prestar fiança ou aval. A exceção é prevista na própria lei para os casamentos celebrados pelo regime da separação absoluta de bens.

Nos termos da Súmula 332 do STJ, a falta de anuência implica a ineficácia total da garantia. No entanto, há entendimentos no sentido de que, ausente a autorização, a proteção legal deve se restringir à meação do cônjuge que não interveio no contrato de fiança. Outro aspecto importante é que a fiança prestada em união estável não precisa da anuência do companheiro, como já decidido pelo STJ.

Mas qual é o efeito da autorização? De antemão é preciso esclarecer que a autorização não torna o cônjuge fiador (REsp 1.038.774). Com efeito, a fiança, cuja validade depende do consentimento de um dos cônjuges quando prestada por pessoa casada em comunhão de bens, não se confunde com a fiança conjunta.

Assim, o efeito da autorização é a ciência ao cônjuge que a prestou de que o patrimônio do fiador (no caso, metade dos bens do casal) passará a responder pela garantia prestada. A meação do cônjuge anuente é protegida e não responde pela garantia prestada.

4 de janeiro de 2016

Emissão de duplicata e protesto do título contra a Administração Pública

Em tempos de crise econômica, a venda de bens e produtos para a administração pública deixou de ser sinônimo de segurança jurídica e certeza do recebimento dos créditos decorrentes dessas operações. Com efeito, torna-se cada vez mais comum a incapacidade da administração em honrar os compromissos firmados com as empresas que com ela contratam, em especial o pagamento dos bens que lhe foram fornecidos. Diante dessa situação, surgem as seguintes perguntas: É possível emitir duplicata mercantil para a cobrança da dívida? É possível o protesto desse título?

A questão tem certa controvérsia, pois o regime jurídico dos contratos com a administração pública afasta, em diversos pontos, a aplicação do regime privado e geral das obrigações e contratos, e há os que entendem que a emissão de duplicata mercantil somente é admitida quando se tratar de compra e venda em que figurem empresários em ambos os pólos da relação contratual firmada (art. 1º, da Lei 5.474/1968).

Desta forma, sob esse argumento, alguns juristas entendem que não há possibilidade de emissão de duplicata por empresário visando materializar eventual crédito advindo da venda realizada a quaisquer das pessoas jurídicas de direito público. Por ser um contrato administrativo, o ajuste celebrado entre um empresário e qualquer pessoa jurídica de direito público é denominado de contrato de fornecimento (e não de compra e venda, mesmo que esta tenha sido a operação realizada). consoante preceitos contidos na Lei 8.666/1993. O mesmo raciocínio é aplicável quando se tratar de contratos de prestação de serviços, já que tais contratos são considerados administrativos e regidos por regras especiais.

No entanto, a jurisprudência vem admitindo, tanto a emissão de duplicata, quanto o protesto desse título contra a administração pública, com fundamento nos princípios da causalidade, vedação do enriquecimento ilícito do poder público e moralidade administrativa. Veja aqui uma das decisões.

Sob essa ótica, cumpre ao empresário provar a existência do contrato administrativo originário da obrigação, a efetiva realização da venda das mercadorias (ou prestação de serviço), bem como a sua entrega e utilização pela administração pública. A nota de empenho emitida pela administração também é documento importante nessa operação. Observadas essas circunstâncias, diversos tribunais tem entendido pela possibilidade de emissão de duplicata contra o poder público e o apontamento do título para protesto, para posterior ajuizamento de ação de execução ou de cobrança para o recebimento a dívida.